Após salvar Maya, Carlos Burle pega onda gigante, que pode ter sido a maior já surfada na história
Entrar em um ringue com Mike Tyson e ser nocauteado. Se sentir refém e vulnerável em meio a tsunamis. Perceber que a morte está a um fio tênue e ter a consciência de que poderia ir em paz. Estas foram algumas das sensações de Maya Gabeira em relação ao grave acidente que sofreu na Praia do Norte, em Nazaré, Portugal, na última semana. Conhecida pela coragem e talento nos mares mais perigosos do mundo, a carioca de 26 anos se arriscou em uma onda gigante, estimada em cerca de 25 metros (não oficial), mas sofreu uma queda e quase morreu.
Após levar uma série de ondas na cabeça e ficar inconsciente, ela foi reanimada na areia por Carlos Burle, que a resgatou em um cenário de horror, que poderia ter tido um final trágico. Recuperada e apenas com o tornozelo direito fraturado, a surfista voltou na última quinta-feira para o Rio de Janeiro na companhia de sua mãe e familiares.
- Entrei no ringue com o Mike Tyson e sou peso leve. Fui nocauteada. Treinei apneia e aprendi a realizar seis tipos de respiração, mas estava refém. Senti que o colete saiu, levei um caldo violento na primeira onda e fiquei um longo tempo debaixo d'água, levei a segunda na cabeça e fui atropelada pela terceira, com uma força muito grande. Ficou tudo preto e foi aí que entrou o instinto de sobrevivência. De repente, vi tudo branco e percebi que estava perto das rochas, o que poderia ser perigoso. Meu corpo paralisou, eu não conseguia reagir. Me lembro do Burle gritando para eu pegar a corda e para aguentar com a cabeça do lado de fora. Depois, apaguei e só acordei com a massagem do Burle. Senti muita dor quando dei a primeira respirada - contou Maya, que sofre de asma desde a infância.
"Stayin alive"
Quando o amigo e companheiro de equipe fez a massagem de ressuscitação, uma técnica de reanimação cardiorrespiratória que substituiu a respiração boca a boca, uma música não saiu do seu pensamento. Concentrado em trazer Maya de volta, Burle não parava de cantar "Stayin alive", sucesso da banda "Bee Gees". Foi como nascer de novo. Agora, a atleta não quer nem saber de dormir.
- Tenho dormido pouco, não tenho vontade de fechar o olho, quero ficar acordada. Por mim, nem dormia, saía correndo por aí, mas, estou com o pé quebrado (risos). Como diz o Burle, a Maya está na excitação da volta à vida. No hospital, eu tinha crises de riso, só conseguia zoar. É muito bom viver. Vou voltar aos poucos, não tenho pretensão de surfar uma onda em Nazaré este ano ou no ano que vem, mas vou continuar meu trabalho e me preparar para estar no lugar certo na hora certa. E vou ter coragem de descer outra onda gigante - disse, bem-humorada.
Maya Gabeira na onda que quase a fez perder a
vida, em Portugal
A expedição de Maya, Burle, Felipe "Gordo" e Pedro Scooby tinha como objetivo superar uma impressionante onda de 30 metros, surfada pelo havaiano Garrett McNamara em janeiro deste ano. Depois de salvar a amiga, o veterano de 46 pode ter batido o recorde mundial em uma onda que ele definiu como "monstro dos mares".
- Saímos do porto e entramos por trás da onda. Quando veio a série de ondas oceânicas, que pareciam tsunamis naquele mar gigante e liso. Eu estava naquela adrenalina, vai ser tudo ou nada. Os meninos estavam superanimados, como se estivessem na Disney. Foi a onda da minha vida. Arrisquei a minha vida porque queria surfar naquele mar histórico. Depois, precisei lutar para sobreviver no maior perrengue da minha vida - disse Maya.
Susto no Taiti e evolução
Esta não foi a primeira vez que a carioca se viu em apuros ao se arriscar na modalidade mais radical do surfe. Em 2011, em Teahuppoo, no Taiti, ela sofreu outro grave acidente ao ser engolida por outra onda de grandes proporções. O susto de bater com força em uma barreira de corais fez a surfista procurar outras técnicas e formas de se preparar para enfrentar "tsunamis". Os seus conhecimentos de apneia, inclusive, foram apontados por especialistas como fundamentais para a sobrevivência da surfista em Portugal.
- O que aconteceu em Teahuppo me ajudou, assim como a roupa de borracha, os treinos de apneia, o comprometimento do Burle em me salvar e o meu instinto de sobrevivência. Na hora em que tudo fica preto e branco e você é nocauteado, percebe que é vulnerável e Deus tem que ajudar. Somos humanos e morremos. A minha profissão tem riscos. Se eu fosse morrer naquele momento, iria em paz - declarou.
Críticas de Hamilton e elogios de McNamara
Um dos maiores nomes do surfe de ondas grandes do mundo, o havaiano Laird Hamilton criticou a presença de Maya no mar naquele dia quase fatídico na Praia do Norte. Em uma entrevista ao vivo a uma rede de televisão americana, o mito do esporte disse que a brasileira não devia estar ali por não ter habilidade suficiente para surfar a onda e culpou Burle, que, segundo ele, não deveria ter deixado Maya cair no mar com aquelas condições. Não satisfeito, Hamilton ainda afirmou que não considera que Burle tenha completado a onda, ou seja, ela não valeu.
- Respeito o Laird por tudo o que ele já conquistou, mas acho que o discurso dele, dessa vez, foi um pouco equivocado. Acho que ele perdeu uma bela oportunidade de ficar quieto. O depoimento do Laird é muito confortável, ali na sua mansão no Kauai, ter uma opinião formada sobre o que aconteceu do outro lado do oceano vendo imagens. Ninguém é dono da verdade, mesmo ele que é pioneiro e tem o respeito do mundo, respeito merecido. Ele me conhece muito pouco para saber a verdade e me julgar de forma tão precipitada. E julgar o Burle também. Há três anos, o recordista mundial Shawn Dollar pegou uma onda na minha frente em Mavericks, que entrou para o Guinness como a maior onda já surfada na remada. Ele foi engolido pela espuma e eu não lembro do Laird ter se pronunciado de forma parecida. Ele pode ter a opinião que ele quiser, eu respeito, mas não concordo - analisou a surfista.
Ao lado dos companheiros de equipe, Maya sorri no hospital em Leiria
Ao contrário de Hamilton, o compatriota Garrett McNamara pensa diferente. Responsável por colocar o pico português no mapa do surfe após quebrar o recorde de maior onda, em janeiro de 2011, o havaiano elogiou a coragem da brasileira e revelou que a seu desempenho em Nazaré beirou a perfeição. Além de chamá-la de "Super Maya", G-Mac ressaltou a preparação da surfista e admitiu que desistiu de encarar a onda naquele dia por não se sentir seguro na onda. As palavras do ídolo soaram como música para os ouvidos de Maya, que já viveu muitas experiências ao lado de McNamara pelo mundo.
- Ele disse que 95% dos surfistas não teriam coragem de pegar aquela onda. Eu acho que ele estava vislumbrando as direitas. Eu li várias vezes o que o Garrett falou, ele foi um fofo. O que ele escreveu me dá força, esperança, alegria e muitos sentimentos bons. O Garrett sempre foi um ídolo para mim e eu não teria passado por isso e estado naquele lugar se não fosse por ele, que descobriu aquela onda. Quando chegamos lá, a gente foi muito bem recebido por ele e por todo o povo de Portugal. Tenho certeza que eu não teria arriscado tudo o que eu arrisquei se eu não estivesse me sentindo tão em casa. Foi um alívio quando eu vi o que ele falou. É horrível você passar por tudo isso e um ídolo seu te criticar ou dizer que você não é capaz, que você não devia estar ali. Ele me conhece e acompanhou a minha carreira. Vivemos grandes momentos na história do surfe de ondas grandes juntos, e o depoimento dele é o que vale - finalizou.